CONVERSAS DO PECE

Em Conversas do Pece em breve há de se encontrar algumas conversas fiadas...

sábado, outubro 15, 2005

QUASE TODAS AS VIDAS

Tenta viver em mim
Um homem meio tirano,
Meio caolho,
Um olho no gato, outro no peixe,
Sem saber o certo.
Faz de tudo um pouco,
De aprendiz a mestre,
De boy a velhote,
Santo: encapetado.
Incrédulo...

Tenta viver em mim
Velho bóia-fria.
Possui um gostoso cheiro
De suor e cana.
Cana queimada,
Roupas de mangas longas,
Garrafa térmica.
Sua coroa: foice na mão.

Tenta viver em mim
O cara moto-boy.
Máquina e capacete,
Viagem bem-feita
Pneus alinhados,
Corrente, coroa, pinhão.
Tudo perfeito;
Perfeita sintonia:
Homem e máquina
De mãos dadas.
Gasolina no tanque,
Passageiro na garupa.

Tenta viver em mim
O homem do povo.
Meio político,
Meio safado,
Sem-vergonha, abusado,
De porte, às vezes, grosseiro,
Às vezes, pianinho,
E cachaceiro!

Tenta viver em mim
O homem da cidade.
– Fruto do urbanismo,
Cheio de stress.
Trabalhador,
De horário comercial,
Às vezes, letrado.
Sapatos brilhando.
De terno e gravata, todo alinhado.
De poucos filhos:
No muito, um casal.

Tenta viver em mim
O homem boêmio.
Meu irmãozinho...
Tido como à toa,
Muito comentado...
Finge ter alegria, mas é triste.

Quase todas as vidas em mim:
Em minha vida –
A vida parca dos absurdos.

09/10/2005
Inspirado em “Todas as vidas”, de Cora Coralina.